Os porquês da Marcha das Vadias - @SlutwalkNatal, 23/7 #PontaNegra #sosNatal


O que é?
A Marcha das Vadias é um movimento que vem correndo mundo, com o intuito de denunciar a violência a qual todas as mulheres estão sujeitas simplesmente por colocar o pé na rua. Surgiu slutwalk (slut = piranha, walk= caminhada), no Canadá, na reação pública de um grupo de ativistas contra um policial que declarou na TV que uma medida para redução dos crimes de estupro seria que as "mulheres evitassem se vestir como piranhas" (women should avoid dressing like sluts). Indignadas, as canadenses vestiram lingeries, batons, cartazes e saíram às ruas, defendendo o direito de ir, vir e vestir de todas as mulheres, e dando um basta à culpabilização das vítimas.
Com a característica de ser um movimento espontâneo e autônomo, a divulgação da Slutwalk nas mídias independentes e redes sociais. O sentimento comum de ultraje levou a que muitas mulheres e homens no mundo todo, muitos deles sequer militantes feministas, aderissem à irreverência, comprando a força irônica e solidária do discurso da marcha: que nenhuma mulher seja culpada pela violência e que nenhum crime mais seja justificado em função de um vestido.
Por que o Brasil?
Após desfilarem nos EUA, Índia, Inglaterra (acrescentar...), as caminhantes chegam ao Brasil, onde o evento foi traduzido como Marcha das Vadias. Neste país, onde amargamos a cena de ter, a cada 12 segundos, uma mulher violentada. Onde menos de 10% dos casos julgados de estupro são punidos, justamente por que a vítima (a vadia da vez) é culpabilizada. São meninas, moças, idosas. São pobres, ricas e de classe média. São rostos já vividos ou olhos cheios de futuro.
E, na voz da mídia e das instituições, presenciamos a mesma banalização e as mesmas distorções nos discursos, o senso comum justificando atos de brutalidade numa suposta culpa das mulheres. Casos como os do Bispo católico que sugere que seria responsabilidade das mulheres fechar as pernas, metaforizando o ato sexual com uma caneta bic. Ou do humorista que transforma em piada de stand up o estupro de mulheres feias, pelo qual o agressor até mereceria 'um abraço'.  
Culpam-se as ruas escuras, o trajeto solitário, o vestido curto, até mesmo a calcinha rendada da menina de cinco anos que brinca na rua. Conjectura-se sobre a permissividade e o merecimento, e até mesmo sobre o desejo das vítimas (há mesmo quem ache que pode ser engraçado sugerir que uma mulher menos atraente ficaria grata em ter a sua vagina estraçalhada). Entretanto, o que menos se diz, é justamente o óbvio: vivemos em uma cultura que prefere naturalizar os casos de violência a admitir que é a desigualdade de gênero que torna as mulheres o alvo recorrente dos crimes sexuais e abusos físicos e psicológicos.
Desta forma, crimes hediondos como assassinatos e estupros são reduzidos a fatalidades aleatórias e toda a questão de gênero do qual eles estão pendentes desaparece, evidente uma discussão contundente sobre o tema.
De sujeitas a um perigo iminente, do qual quase nunca encontramos defesa e mais raramente ainda punição, passamos a perigosas. Nossos corpos, ardis. Nossos olhares, anzóis. Nossa liberdade de ir e vir, direito humano e constitucional, se transforma numa lança em riste, que pode estraçalhar os nossos corpos e acabar com nossas vidas, se acaso damos um passo em falso. E de um simples vestido leve de passeio, nossa roupa passa a um convite. Não, não toleramos mais.
Por que eu iria me autointitular vadia?
Historicamente, nós mulheres não temos tido grande oportunidade de atribuir significado aos termos que usam para nos designar (e, muitas vezes, para nos dividir em grupos e hierarquias).  Algumas palavras praticamente só são usadas com a flexão no feminino: putas, meretrizes, vadias e cachorras (no sentido sexual), piriguetes. São termos-fetiche, utilizados para exprimir que o desejo explícito que ora suscitamos tem um preço: o de sermos tachadas como objetos publicamente dispostos ao prazer, com o qual podem mexer, bolinar e até mesmo estuprar. Não se divide, comumente, o homem bom do pirigueto, o puto do decente. Esta não é nem nunca foi uma escolha das mulheres. Ser chamada de vadia pode acontecer com qualquer mulher, não só as profissionais do sexo, as sexualmente livres ou independentes financeiramente. Em determinados contextos, ser vadia é ser bonita, jovem, ou, simplesmente, voltar sozinha para casa depois de uma aula noturna ou de um cansativo dia de trabalho – qualquer coisa que valha como justificativa ou atenuante. A ironia da Marcha das Vadias não tem qualquer intenção de ultrajar as mulheres, de colocá-las como provedoras de sexo farto e fácil. Também propõe que não haja a percepção de que existe uma divisão entre nós, que justificaria a prática de um estupro subliminarmente consentido. Até mesmo num bar conhecidos por abrigar profissionais do sexo, em um dos pilares há um cartaz, em folha ofício, preto e branco, em que está escrito: PROIBIDO ROUPAS CURTAS, DECOTADAS E TRANSPARENTES. Acaso o sexo mercadológico implicaria na concessão da violência do estupro?
Queremos tomar posse e desconstruir um termo de uma cultura que nos diz onde andar, com quem ir e o que vestir e, independente de nossa adesão ou não a uma conduta padrão, nos nega qualquer respeito a nossa condição de sujeitos. Não somos aquilo que se concebe como vadia, mas, e se alguém achasse que fossemos? Isso legitimaria a violação e o assassinato de uma mulher?
É a esta pergunta que a marcha responde quando diz que "um não é um não".
Por que participar
A beleza da Marcha das Vadias no Brasil vem de seu aspecto heterogêneo, plural e absolutamente irreverente. Várias das entidades que organizaram passeatas pelo país sequer eram vinculadas ao feminismo. São atividades auto-gestionadas nas quais o que surpreende é o pertencimento de pessoas de todas as gerações, sua adesão alegre e voluntária a uma causa em que acreditam. Nas palavras de uma das organizadoras da Marcha das Vadias em Natal, Jolúzia Batista: "Eu estava na [Marcha das Vadias] que aconteceu no RJ e foi a coisa mais emocionante! Sabe o que é estar em uma manifestação genuinamente feminista, sem que fosse de fato? E mais: uma manifestação alegre, colorida, irreverente,cheia de (nossas) palavras de ordem. A repaginação de uma autêntica passeata feminista!
É isto, pegue o seu sutiã gasto, sua saia curta, seu lápis de olho e some-se a nós: NEM PUTAS, NEM SANTAS: APENAS MULHERES!
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